A FAMÍLIA

"É preciso fazer realmente todo o esforço possível, para que a família seja reconhecida como sociedade primordial e, em certo sentido, soberana. A sua soberania é indispensável para o bem da sociedade. Uma nação verdadeiramente soberana e espiritualmente forte é sempre composta por famílias fortes, cientes da sua vocação e da sua missão na história. A família está no centro de todos estes problemas e tarefas: relegá-la para um papel subalterno e secundário, excluindo-a da posição que lhe compete na sociedade, significa causar um grave dano ao autêntico crescimento do corpo social inteiro". (João Paulo II em “Carta às Famílias” / 2 de fevereiro de 1994)

20 agosto 2015

Mestre-cuca




RECEITA DE FAMÍLIA

    Família é prato difícil de preparar. São muitos os ingredientes. Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo. 

    Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vem a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida, (azeitona verde no palito) sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. 

    O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, como num milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente. 

    E você? É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia. Como saiu no álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais prestativa? O que nunca quis nada com o trabalho? Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero e do grau comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida. Não há pressa. Eu espero. Já estão aí? Todas? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza. 

    Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que nos parecem estranhas ao paladar, tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa. 

    Atenção temos que ter também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto! É um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. 

    Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher! Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada. 

    O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem! Tudo ilusão. Não existe Família à Oswaldo Aranha, Família à Rossini, Família à Belle Meunière, Família ao Molho Pardo (em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria). Família é afinidade. Tem que ser “à Moda da Casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. 

    Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as insípidas, que não têm gosto de nada. Seriam assim um tipo de Família Diet, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir. 

    Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. 

    Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou na panela de barro. Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete. 

* * * 

Do site Comunidade FAMÍLIA SILVEIRA / Facebook

29 julho 2015

Rabiscos



RESGATANDO GARATUJAS - 2

– VI – 

    Oh, minha Porto Alegre! Como gosto das tuas ruas, avenidas, becos, vielas. Gosto de perambular pelas tuas praças, teatros, museus, igrejas. Sempre que posso, freqüento os teus restaurantes – de preferência aqueles “velhos”, antigos, tradicionais, cheios de história e nostalgia. Mas – só pra ti, que ninguém nos ouça: o que adoro, mesmo, são os teus sebos – essas livrarias meio escondidas, quase penumbra, onde posso garimpar livros saudosos que além de poderem ser lidos, nos oferecem a oportunidade de sentir o cheiro da passado...  

– VII – 

    Lembranças. Relembranças. Imagens antepassadas e etéreas revolvendo as cinzas dos anos mortos. Resíduos de infância longínqua, como os soldadinhos de chumbo que subitamente despertam do sono merecido após o arremedo de tantas batalhas heroicas, das quais sempre saíram ilesos e de seus dias de gala a desfilarem garbosos por alamedas ilusórias. 

– VIII – 

    Do fundo mais recôndito do meu baú, afloram, vez por outra, fragmentos que estavam dispersos, formando mosaicos de vida. Assemelham-se a pedaços de lápis coloridos misturados numa desordem lastimosa, nem sombra dos mesmos que antigamente desenhavam sapos, lagartas e pandorgas, nuvens e jardins ou tentavam, com rabiscos e garatujas – caracteres toscos e feiosos, mas impregnados de ternura – narrar os sonhos e os ideais acalentados. 

– IX – 

    A história sofreu uma ruptura tão instantânea, que numa fração de segundo deixou de fazer parte da vida que nunca teve início, por não situar-se no tempo. E que, não tendo meio, nem continuidade, também não teve fim. Ficou suspensa, atemporal, em algum lugar de nossas origens, à espera do dia em que reviva envolta por tênue luminosidade, ressurgindo das brumas onde, pela quase eternidade, esteve sepultada.

– X – 

    Estas livrarias modernas dentro dos shoppings são uma atração irresistível de nossos tempos. Às vezes passo algumas horas dentro delas, encantado com a quantidade de CDs, DVDs e outras mídias oferecidas em suas prateleiras. Sempre há uma musiquinha da melhor qualidade afagando os nossos ouvidos, enquanto se saboreia, confortavelmente sentados em aprazível recanto, um delicioso café com empadinhas feitas na hora de serem consumidas. Uma delícia! Mas o que mais me surpreende quando estou lá dentro, é o fato de se poder comprar de tudo. Até livros! – vocês acreditam?!... 

Vando 

* * * 


Foto minha. Por do sol no Guaíba. Data: 28 Fev 2015 

23 junho 2015

Rabiscos



RESGATANDO GARATUJAS - 1

– I –

    A saudade seguidamente nos sitia e o faz de modo repentino. Nem estávamos pensando nela quando, num átimo, vemo-nos assolados. Ela não tem, ao menos, a sutileza da aproximação cautelosa, lenta, cuidadosa, premeditada. Quando chega atinge-nos em cheio, sem constrangimentos ou recato.
– II – 

    Cultivo, como vocês todos sabem, um certo saudosismo. Não escondo de ninguém que sou um tradicionalista inveterado. No dizer de alguns, sou anacrônico. No de outros – os meus admiradores inconfessos – sou radical, retrógrado, reacionário. Coisas da vida!...  

- III – 

    Ah, o Vento Norte!...  Vocês, que não conhecem Santa Maria e não tiveram o “privilégio” de conviver com ele, não conseguem avaliar o terror que é aquilo. Só tendo nascido lá – na Boca do Monte e adjacências – para aceitar passivamente aquele engano meteorológico que derruba o astral do espírito mais intrépido que ouse enfrentá-lo. 

– IV – 

    Meu gosto pelos velhos casarões vem desde tempos remotos. Sou apaixonado por eles. Fico embevecido ante os detalhes de suas fachadas, frontões, platibandas, sacadas e gradis. Encantam-me as largas varandas, as portas entalhadas e as janelas com vitrais que contam histórias ou que ostentam simples alegorias. 

– V – 

    Praia, na verdade – verdadeira! – não é bem “a minha praia”. Claro que não desgosto. Mas daí a julgar que sou apaixonado por ela insere-se alguma distância. Até vou, curto uma que outra onda, – já tentei plantar bananeira, acreditam? – alguma caminhada pela areia, mas tudo com muito comedimento e respeito às águas vivas e, principalmente, aos mosquitos do entardecer. 

Vando  

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Foto minha: Igreja Sagrado Coração de Jesus, Tristeza/Porto Alegre, 19 Fev 2015 

29 maio 2015

Questão de estilo

LACONISMO OU PROLIXIDADE?
Aonde, mesmo, eu queria ir?!...

    É isto. Sou um escritor amador. Ah, vocês já sabiam? Esqueci. Então me conhecem. Que bom! Sabem como escrevo. Já avaliaram o meu estilo. Pois bem. Detesto lugares-comuns. Adoro figuras de linguagem. Gosto de frases curtas. Polissilábicas – no mais das vezes. Monossilábicas, minhas preferidas – quando possível. "Poucossilábicas" – se não há outro jeito. E geralmente não há.

    Lembro-me de que uma das primeiras coisas que aprendi foi cultivar a linguagem “clara, precisa, concisa”. Isto é: lacônica. Considerar o pleonasmo como pecado capital. Usar só as palavras certas. Exatas. Economia para dizer muito. Ou tudo.

    Exageros à parte, o resumo disto não deixa de ser verdadeiro. Contudo, é difícil. E como! Nem sempre é possível. E já explico. Sei que vão entender.

    Eventualmente, em face da minha inata incapacidade de síntese contra a qual venho há anos travando cruentas lutas, escaramuças, embates, batalhas, guerras – terríveis! – torno-me prolixo, perdendo-me pelos labirintos fascinantes, mas insondáveis e tenebrosos, autênticas armadilhas sempre dispostas dissimuladamente nos ângulos mais obscuros e traiçoeiros do tema que me proponho desenvolver, principalmente quando assumo o risco de dissertar acerca de assuntos cujo domínio nem sempre faz parte do meu próprio cabedal, o que me conduz a perder o fio da meada, a misturar alhos com bugalhos e afastar-me cada vez mais da saída, e nos quais termino por me enredar de tal forma que em determinado instante entro em pânico por não mais vislumbrar qualquer luz no fim do túnel e me obrigo a lançar mão de jargões surrados que indiquem a possibilidade, ou me acenem com ela, mesmo sabidamente remota, de chegar a algum consenso sobre o que eu pretendia, realmente, dizer e não disse, ou na vã esperança de que algum ser angelical, pretensamente meu anjo protetor – não um trapalhão e humilde, embora bem-intencionado Anjo Malaquias, que certamente assessora até hoje o meu guru Quintana, – desça dos páramos celestes com a missão urgentíssima de me inspirar, safando-me, de uma vez por todas, da enrascada em que deliberadamente me envolvi mesmo sabendo dos riscos que corria de não chegar a nenhum lugar, culminando, na aventura desastrada, sitiado por orações impiedosas, imprecisas e desconexas, acrescidas de travessões e parênteses, vírgulas e mais vírgulas, sem perspectiva de encontrar um ponto e vírgula extraviado entre dois vocábulos, algum ponto de apoio, e menos ainda o tão ansiosamente desejado ponto final que sirva como sinalizador de que tudo terminou bem explicadinho. Ufa!... Consegui concluir o meu raciocínio, viram? Compreenderam direitinho?

    Então, já que não ficou nenhuma dúvida, sinto-me gratificado. Vocês foram geniais! Estou emocionado diante da sofreguidão com que degustaram esta maravilhosa página literária.

    Para recompensá-los, prometo que em breve voltarei com nova obra-prima que lhes sirva de enlevo num dia encantador como o de hoje – meio outono, meio inverno, frio e chuvarento, bem do jeito que uma porção de gente adora só pra me contrariar. Entre elas, alguns de vocês, não é?

    Pois é!

Vando


Foto: Foto minha. Fiz em Rio Grande, RS, no  caminho para o Taím, no dia 1° de janeiro de 2013. Está editada, descaracterizada do original. 

28 abril 2015

Garimpeiros dos sonhos

MERCADO DE NOSTALGIAS 



     Manhã de domingo. Um domingo de sol, como todos os domingos deveriam ser. E como de hábito, estou no Brique. No Brique da Redenção. Percorrendo nostalgicamente as tendas repletas das coisas antigas que tanto me fascinam. 
     Nem sempre resisto à tentação de tocá-las leve e cuidadosamente. De segurá-las na mão e aproximá-las dos olhos, numa atitude instintiva de quem procura detalhes inusitados de algo que ficou perdido num tempo que longe vai.
     Aqui, vejo porcelanas decoradas com os mais delicados desenhos. Logo ali, cristais refletem os raios do sol matinal, produzindo, por sua refração, um incrível efeito de arabesco luminoso que não sei como definir. Ao lado, lustres compostos de centenas de pequeninas peças fitam-me pendentes de suportes estranhos. 
    Entre moedas e medalhas, bronzes e pratarias, vislumbro louças e vasos, abajures e telefones, câmeras fotográficas, estatuetas, esculturas, ânforas e quadros, relógios e discos de vinil. Também há jóias. Muitas. Colares. Pulseiras, brincos, anéis. Broches e camafeus. Ouro e prata, diamantes, esmeraldas e águas-marinhas. Que um dia foram utilizados rotineiramente, decoraram lares e ornamentaram senhoras elegantes.
    Atrás de um biombo repleto de brocatéis, lenços de seda e vestidos em finos tecidos, revejo, depois de muito tempo, pesado reposteiro, muito semelhante àqueles das casas de nossas bisavós. Encontro retratos amarelados e cartões postais da Porto Alegre provinciana da minha infância e de lugares mais distantes, na geografia e no tempo, como Estocolmo, Atenas ou Kioto dos tempos imperiais. E descubro revistas e livros. Em português e alemão. Em francês, italiano, espanhol e russo. Em chinês, japonês e esperanto. Primeiras edições. Raridades. Edições há muito esgotadas. História e política. Biografias e viagens. Crônicas, filosofia, ciências, romances, contos e poesia. Muita poesia!

    Ah, a poesia da praça!… A poesia da rua. A poesia do Brique. Traduzida em cores e formas. Poesia pura em formato de gente também antiga e de gente mais jovem que vem aqui para passear. Mas também para procurar. Para pesquisar. Para buscar. Na tentativa de resgatar do passado um pouco do que foi se perdendo pelo caminho e do que só restaram vestígios e vagos fragmentos dispersos.  

Vando 

Foto minha - outubro de 2014

21 março 2015

Porto Alegre, 243 anos

Sérgio da Costa Franco

"Porto Alegre destruiu o que tinha do seu início"

    Mais notório pesquisador da história da Capital compartilha um pouco do conhecimento que acumulou sobre a cidade.   

por Itamar Melo - 21/03/2015 | 16h01  

    Um dia, Sérgio da Costa Franco resolveu dirigir até o Shopping Center Iguatemi e se perdeu em um emaranhado de ruas desconhecidas. Comprovou a existência de uma Porto Alegre com a qual não tinha qualquer intimidade.  

    Existe uma outra Porto Alegre, no entanto, na qual ele circula com uma desenvoltura sem igual, conhecedor de cada arroio, de cada beco, de cada praça. É a cidade do passado, à qual dedicou anos de pesquisa em arquivos esquecidos e que desenterrou do esquecimento em obras como Porto Alegre e seu Comércio, Gente e Espaços de Porto Alegre, Porto Alegre Sitiada, Os Viajantes Olham Porto Alegre e Porto Alegre Ano a Ano.   

    É um trabalho que o mais notório pesquisador da história da Capital ainda não deu por encerrado. Dias atrás, encaminhou ao editor um punhado de laudas inéditas que serão acrescidas à nova edição de Porto Alegre: Guia Histórico, sua obra mais emblemática. Em forma de dicionário e construída a partir de laboriosas consultas às atas da Câmara Municipal e a outros documentos, o livro resgata a evolução das ruas e logradouros da cidade.   

    Costa Franco nasceu em 1926, mas é como se tivesse vivido 243 anos – os 243 anos que Porto Alegre comemora no próximo dia 26. Na entrevista a seguir, concedida em seu apartamento no bairro Menino Deus, ele compartilha um pouco do conhecimento que acumulou sobre a cidade – e também do afeto que nutre por ela. 

    O senhor mudou-se para Porto Alegre em 1935. Qual foi a primeira impressão que teve?

    Eu tinha sete anos e vinha de uma cidade muito pequena e sem movimento, Jaguarão (onde nasceu). O bonde elétrico eu já conhecia de Pelotas, mas aqui foi um choque. A cidade tinha uns 200 mil habitantes, mas para mim era uma metrópole.  

    Os limites de Porto Alegre eram bastante diferentes dos atuais.  

    Muito mais acanhados. Eu agora fiz um livro de encomenda sobre a evolução histórica da cidade. Nas plantas daquele tempo, de 1935, não aparecem Tristeza, Ipanema, nada da Zona Sul. Também nada além do Passo D’Areia, que era o limite para o norte.  

    Como era a vida nessa cidade de 80 anos atrás?

    Era tranquila. Morávamos no Menino Deus. Como gurizinho, aos oito anos, a minha mãe me mandava tomar o bonde e ir ao Centro fazer compras. Os bairros não tinham comércio. Eu pegava o bonde, ia o Centro, fazias as compras e voltava sozinho. Ninguém faz isso hoje com uma criança de oito anos.

    O senhor reconhece na Porto Alegre de hoje algo daquela Porto Alegre de sua infância?

    A mudança foi radical. Morei aqui no Menino Deus dos sete aos 12 anos, na José de Alencar. Naquele tempo havia vastos terrenos baldios, com cem metros de comprimento por 30 metros de largura. Dava peladas formidáveis.

    O que daquela época persiste na cidade?

    As diferenças são profundas. O que logo se destaca é a qualidade de vida. As casas não tinham grades, havia um outro modo de vida. No bairro, os rapazes saíam de pijama a caminhar na rua. De pijama, que na época era o equivalente ao abrigo esportivo de hoje. A pessoa chegava em casa, botava o pijama e depois saía. Era uma característica do arrabalde. Dependendo da rua, colocavam-se cadeiras na calçada para conversar. O movimento de automóveis era reduzidíssimo. Em 1950, eram 6 mil carros na cidade.

    O que o encantava particularmente na cidade?

    A primeira coisa é o Guaíba, onde a gente tomava banho. Conheci minha mulher, numa tarde de sábado, tomando banho em Ipanema. A cidade era muito aprazível. Até 1950, era uma cidade muito agradável, muito boa. Morei em vários pontos, conhecia muito bem. Hoje não conheço mais. Se me largam no Quarto Distrito, eu me perco. Não conheço nada para outros lados. Quando tinha automóvel, fui lá ao Iguatemi. Para voltar, me desorientei. 


    Nos anos 1960, estavam em curso os aterros que permitiriam o Beira-Rio e os parques.​

    Há quem diga que aquela região tornou-se uma espécie de novo centro da cidade.

    É. Mas o centro para mim é o Centro Histórico. A idade e os joelhos estragados não me permitem mais conhecer essa outra cidade.

    Como nasceu seu interesse pela história de Porto Alegre?

    Porto Alegre era uma cidade sem historiografia. Não havia quase nada escrito. Os jornais diziam bobagens incríveis. Rigorosamente, o que havia era um livro cheio de erros, A Fundação de Porto Alegre, do Augusto Porto Alegre, de 1906. Ele falava em 1742 como data da fundação. Até acho que foi por erro gráfico, porque em 1742 não aconteceu nada em Porto Alegre. Em 1752, sim, houve a chegada dos açorianos. Mas todo mundo que escreveu depois usou essa data de 1742. Senti que a história de Porto Alegre era um campo virgem. Minha opção foi fazer um livro em forma de dicionário, com verbetes, o Guia Histórico. Passei uns três anos no arquivo municipal, registrando, anotando, e fiz uma ficha para cada rua, cada logradouro importante.

    O 26 de março é a data mais adequada para comemorar o aniversário?

    Porto Alegre tem duas fundações. A primeira é em 1752, com a chegada dos açorianos. Mas aí o que nasceu foi uma povoação precária, que nunca passou de um aglomerado de casas de palha na região da Rua da Praia, da Riachuelo, talvez da Duque de Caxias. Não se sabe nada sobre esse aglomerado, porque não ficou nada, não teve nem igreja. Naquele tempo, as comunidades nasciam quando se oficializava a freguesia. Foi o que aconteceu 20 anos mais tarde, em 1772, quando se cria a freguesia. Nesse momento, tratava-se de expulsar os espanhóis que tinham tomado Rio Grande em 1763. Porto Alegre, como vila organizada, sob comando de um militar, o José Marcelino de Figueiredo, nasce em grande parte em função disso. José Marcelino ergue um palácio para ele, ergue casa para a Junta da Real Fazenda, ergue a igreja. E daí o bispado cria a freguesia de Nossa Senhora da Madre de Deus. O 26 de março é o dia da fundação da freguesia.

    Mas na época já havia uma população aqui?

    Já tinha uma população, mas era inexpressiva. Tive o cuidado de investigar isso. Na época, o abate de carne para consumo era licitado perante a Câmara Municipal. Disputava-se uma espécie de leilão. Então se sabe quanto se arrematava para Viamão, para Gravataí, para Triunfo. E a mais baixa, a mais insignificante é a de Porto Alegre, então Porto dos Casais. Os açorianos chegaram e ficaram esquecidos aí. O governo os largou aí.

    Até quando foi uma cidade açoriana?

    A imigração dos Açores para cá nunca cessou, ela continuou ao logo do tempo. Foi realimentada. Até o fim do século 18 ainda é expressiva. Depois eles foram saindo. Os açorianos se disseminaram. O interior está cheio de famílias de origem açoriana.

    Restou alguma herança deste início açoriano?

    Talvez essas casinhas de porta e janela que existem na Cidade Baixa. Porto Alegre destruiu praticamente tudo que tinha do século 18.

    Um fato pouco conhecido do passado, pesquisado pelo senhor, os enforcamentos na cidade. Como era isso?

    Em 1816, dada a criminalidade alta no Rio Grande do Sul, Dom João VI criou a Junta de Justiça, um tribunal criminal, com poder de julgar em última instância, sem recurso. Esse tribunal começou a enforcar gente, a partir de 1820. Levantei 22 enforcados. Depois houve mais, porque a pena de morte existiu no Brasil até a República. Ocorreram dezenas de execuções em Porto Alegre, no Largo da Forca, hoje Praça Brigadeiro Sampaio.

    Qual era o impacto na vida da cidade?

    A forca não era permanente. A cada execução era uma briga, porque a Câmara Municipal não queria dar verba para erguer a forca, os juízes reclamavam. Os moradores iam assistir. O troço era um espetáculo. O réu era levado em procissão desde a cadeia até o lugar da execução, o oficial de justiça ia lendo em voz alta a sentença. Só faltava banda de música. Em geral, executavam escravos. Depois do enforcamento, o juiz mandava cortar a cabeça e exibir para o povo.

    Outro livro do senhor, Os Viajantes Olham Porto Alegre, reúne relatos de visitantes estrangeiros feitos ao longo de mais de um século. Há algo de recorrente nesses textos?

    O aspecto alemão é observado por quase todos. Muitos desses viajantes eram alemães e se sentiam em casa. Elogiavam a cidade por isso. No mais, o Guaíba sempre foi motivo de atração. Poucas cidades têm esse presente divino, um lago desse tamanho.

    Como é que ocorreu essa germanização?

    Os alemães vieram em 1824, ano de fundação de São Leopoldo, e em seguida começaram a ter forte influência em Porto Alegre. A partir de meados do século 19, aparecem até conflitos raciais, culturais, da população luso-brasileira e dos alemães. Em 1881 houve uma exposição brasileiro-alemã, organizada pelo Von Koseritz, que foi incendiada.

    Qual era o peso dos alemães na população?

    Eles tinham peso econômico. Populacional, nem tanto. Mas os viajantes que passam dizem que 20% da população era alemã ou de origem. Os alemães foram os industriais e também os comerciantes mais importantes. A certa altura, o gosto alemão na arquitetura predominou, a ponto de os próprios lusos menosprezarem o que tinham feito. Por isso não conservaram nada. Demoliu-se a cidade toda.

    Essa influência germânica tornou Porto Alegre uma cidade diferente das outras capitais?

    Ah, sim. Porto Alegre é muito alemã. E essa população alemã sofreu duas grandes guerras, com discriminação, humilhações e pressão, além de prejuízos graves. Houve depredações de casas comerciais, um negócio terrível. Isso abateu muito o próprio ânimo, a iniciativa econômica.

    Um certo declínio econômico da cidade se explicaria por isso? Porque, quando se olham as estatísticas do começo do século 20, Porto Alegre era um polo industrial que ombreava com São Paulo.

    Quase chegava lá. Tem uma estatística de 1910, por aí, em que a produção industrial de São Paulo é de 120 mil contos e a de Porto Alegre, 90 mil. Essa produção era muito germânica. As guerras influíram negativamente no desenvolvimento da cidade. Na II Guerra eu já era guri e fui testemunha das depredações. Vi quebrarem todas as lojas da Rua da Praia que tinham nomes alemães. Na I Guerra, foi mais grave até. Um quarteirão inteiro foi incendiado, ali na Siqueira Campos com a General Câmara.

    O senhor diria que Porto Alegre não soube conservar seu patrimônio?

    Do patrimônio histórico, arquitetônico, o que era luso-brasileiro não foi conservado. A Igreja do Rosário, do começo do século 19, foi demolida. A catedral era de 1780, construída pelo fundador da cidade, José Marcelino, e foi demolida para erguer-se a nova. Isso já no começo do século 20. Não havia a preocupação de conservar o patrimônio cultural. A Igreja do Rosário foi um crime. Ergueram no lugar um troço de gosto italiano, sem atrativo. A original não era um primor, mas tinha sido construída por uma sociedade de escravos ou de libertos. Os negros tinham feito a Igreja do Rosário. Só por isso ela merecia consideração. Foi demolida sem maiores protestos.  


    Porto Alegre demoliu na década de 1950 a Igreja do Rosário erguida por negros no século 19.  

    Um momento traumático da história da cidade, ao qual o senhor dedicou um livro, foram os quatro anos de sítio durante a Revolução Farroupilha. Por que isso é tão pouco lembrado?

    Porque predominou o pensamento do Partido Republicano, que valorizou a República Rio-Grandense. A bandeira dos farrapos virou a bandeira do Estado, o hino dos farrapos virou o hino do Estado etc. Não se falou mais de Porto Alegre, especialmente porque ela foi “leal e valorosa”, leal ao Império.

    O fato de Porto Alegre ter se mantido aliada ao Império teve papel decisivo para o Rio Grande do Sul continuar brasileiro?

    Teve, porque os farrapos se obrigaram a manter aqui boa parte de suas forças, cercando a cidade, por quatro anos. O Rio Grande estava dividido. O norte da província não acompanhou. Foi um enfrentamento da Campanha, dos charqueadores, com Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, que tinham fortes ligações comerciais com o norte do país, com o Rio de Janeiro, e nunca foram farroupilhas.

    O senhor disse que Porto Alegre era mais acanhada que Viamão e Gravataí, no século 18. O que explica ela se tornar a metrópole do Estado?

    O principal fato foi ter sediado o governo. A geografia da cidade favoreceu o porto fluvial, que foi muito importante.

    Então o desenvolvimento da cidade decorre, em parte, de o litoral gaúcho não oferecer condições favoráveis para a construção de portos?

    Sim. Rio Grande foi a primeira capital, pode-se dizer, foi a sede da capitania, mas se revelou vulnerável aos espanhóis. Essa foi a principal razão para, depois, quando se funda Porto Alegre, a sede ser aqui. Porto Alegre era um porto fluvial que dava acesso a todo o interior e era bem protegido.

    O senhor disse que no passado havia pouca pesquisa sobre a história da cidade. Isso mudou?

    A bibliografia hoje é relativamente rica. Agora tomei conhecimento de um trabalho muito bom de uma professora da UFRGS (Tânia Marques Strohaecker), sobre os loteamentos. A expansão de Porto Alegre para os bairros foi toda à base de grandes empresas loteadoras. Essa professora fez o trabalho que eu gostaria de ter feito. Os caras compravam chácaras nos arredores da cidade e loteavam. Um dos grandes loteadores era também dono da Carris. Então a Carris estendia linhas de bonde para valorizar terrenos e vender terrenos.

    A Carris não era empresa pública nessa época?

    Era particular, uma sociedade anônima, e esteve na mão de Possidônio da Cunha, de Manuel Py, grandes proprietários de terrenos. Isso deu margem a críticas violentas, porque a Carris estendia linhas a lugares despovoados, em prejuízo do acionista minoritário que não estava interessado nesse tipo de expansão. O Caldas Junior, fundador do Correio do Povo, denunciava, dizia que a Carris estava a serviço de interesses imobiliários. A Carris estendeu linhas para a Glória e Teresópolis, que eram vazios demográficos.

    E já tinham bonde. A gente pega os jornais da época e vê que as empresas loteadoras ofereciam churrasco nos domingos, e tinha bonde à vontade para ir para lá. Era um negócio de vender terreno.

    Houve um tempo em que o senhor banhava-se no Guaíba. A cidade teve um jeito praiano?

    Acho que sim. Cheguei a tomar na Praia de Belas. A geografia local mudou muito. O estádio Beira-Rio, o Parque Marinha, tudo aquilo é aterrado. O litoral passava pela margem da atual Avenida Praia de Belas.

Os aterros que a cidade sofreu ao longo da história foram bons ou ruins para a cidade?

Esse julgamento é difícil. A cidade sempre teve com o Guaíba uma relação de amor e ódio. O pessoal gostava do Guaíba, tomava banho, bebia a água. Mas este lado que costeia a Praia de Belas era raso, não permitia a navegação. Era forte a sugestão de aterrar aquilo, converter em terreno e local de moradia. Foi o que fez o Brizola quando prefeito, em 1955.

    Mesmo no início da cidade, quando o Guaíba chegava à Rua da Praia, aterrou-se bastante. Quem fez isso foram os primeiros moradores?

    Os moradores da Rua da Praia dilatavam os seus terrenos para os fundos. Aí nasceu a Sete de Setembro, com o nome de Rua Nova da Praia. Em determinado momento, quando foi urbanizada, era uma rua litorânea. Os aterros no Centro foram muito grandes e consolidados. Além da Siqueira Campos, tudo é conquistado ao rio. Para se construir o porto, se aterrou uma grande faixa.

    Quem foram as figuras que influíram mais decisivamente nos rumos da cidade?

    Nós tivemos três administradores marcantes: Otávio Rocha, Alberto Bins, que foi o sucessor dele, e depois o Loureiro da Silva. Eles foram remodeladores. A cidade que o Otávio Rocha encontrou era fechada, com becos de pedra irregular e ladeiras íngremes, uma cidade estrangulada, incompatível com o automóvel. Ele abriu a cidade, fez a Julio de Castilhos, abriu a Borges de Medeiros, fazendo a ligação do Centro com a Cidade Baixa. O Alberto Bins deu continuidade a isso, foi quem concluiu a Borges de Medeiros e a Otávio Rocha, ligou a Otávio Rocha com a Alberto Bins. O Loureiro da Silva fez a Farrapos, que é uma abertura fantástica para o Quarto Distrito e a área do São João, fez a Jerônimo de Ornellas e fez a Salgado Filho, que era outro beco, o Beco da Cadeia.  


    Nos anos 1920, abertura de Avenida Borges de Medeiros e construção do Viaduto Otávio Rocha.  

    Esses três nomes tinham uma visão de futuro?   

    Certamente. Mas era uma preocupação apenas com o aspecto viário. Não tiveram sensibilidade. Para um zoneamento industrial, por exemplo. Resultado: grande parte das indústrias saiu de Porto Alegre.   

    A abertura para os carros teve influência no processo de degradação do Centro?   

    Os centros das cidades sempre se degradam. Vivi uma época em que, se alguém precisava comprar alguma coisa, um pacote de manteiga, tinha de ir no Centro. As mulheres só iam nas lojas da Rua da Praia. O que acontece é que o crescimento do comércio nos bairros tornou anêmico o comércio do Centro. Existe uma campanha no sentido de revalorizar o Centro, mas é uma causa meio perdida. Nunca vai voltar ao que foi. Pela posição topográfica, num canto da cidade, com o trânsito congestionado, todo mundo evita o Centro. Eu passo meses sem ir.   

    O senhor gosta do que vê em Porto Alegre hoje, dos caminhos que a cidade está seguindo?   

    A cidade está estrangulada. Não houve desenvolvimento viário. Arquitetonicamente, há os que se insurgem contra as torres, mas isso eu acho fatal, morar empilhado para não ir morar tão longe, pela extensão que a cidade assumiu. E hoje todo mundo tem medo. É uma cidade gradeada.  

* * *   

Texto e fotos do site ZH Porto Alegre em 21 Mar 2015

http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2015/03/sergio-da-costa-franco-porto-alegre-destruiu-o-que-tinha-do-seu-inicio-4723144.html

26 fevereiro 2015

Sobre a antiga suntuosidade

DA GLÓRIA À DECADÊNCIA 

       Meu gosto pelos velhos casarões vem desde tempos remotos. Sou apaixonado por eles. Fico embevecido ante os detalhes de suas fachadas, frontões, platibandas, sacadas e gradis. Encantam-me as largas varandas, as portas entalhadas e as janelas com vitrais que contam histórias ou ostentam simples alegorias. 

       Diante deles tento imaginar a solene beleza dos salões revestidos com finas tapeçarias e espelhos do mais puro cristal. Visualizo os brasões de família e os quadros e esculturas formosas que um dia fizeram parte da decoração. Trago à mente os delicados lustres e luminárias que no passado os inundaram com a luz festiva dos bailes e recepções. Revejo-os no tempo em que conheceram a nobreza, a elegância e o esplendor. Foram épocas de requinte e romantismo, parte da vida e do comportamento aristocrático de uma sociedade efervescente de arte, bom gosto e refinamento. 

       Quem terá morado neles? O que faziam? Como era o seu cotidiano? Que trilhas percorriam? Que sonhos acalentavam?  Como viveram? Como morreram? Foram felizes ou sofreram desilusões e fracassos tenebrosos? Quantas histórias de amor ou de intrigas, de dor e de alegria, deixaram gravadas nas paredes e nas antigas escadarias com corrimões adornados?!...   

       Então, quando me deparo com outros da mesma estirpe e que não tiveram a mesma sorte de serem preservados, volto a me questionar. Que motivo levou seus moradores ancestrais a abandonarem tais preciosidades? Por que estes foram condenados à destruição inapelável, abatidos que serão, com certeza, pela ação implacável do tempo?

       Observo os vestígios de sua antiga suntuosidade. Mas vendo-os assim, tão próximos da ruína total, entristeço-me ao perceber neles a tentativa inútil de fugir à fatal derrocada. Parece-me que ainda lutam por uma sobrevida, em busca da qual teimam em resistir. Todavia, o destino está selado.

       Compartilho com eles um sentimento de profunda melancolia. O fim se aproxima célere e logo se transformarão em escombros. Em pouco tempo deles nada mais restará. Apenas a saudade. Talvez... 

Vando 

* * * 

Foto: Minha, feita em Garibaldi, RS, em 2012 

24 janeiro 2015

União e felicidade

FAMÍLIA ON-LINE 

Carmen Lúcia de Camargo Penteado*

    Não adiantam os manuais para alcançar a felicidade; o segredo está no amor e no carinho do ambiente familiar.

    Entre as grandes preocupações da atualidade, tanto das autoridades como dos indivíduos, está a violência e o aumento assustador do consumo e tráfico de drogas entre a população jovem.

    Pensava-se que tais atos eram devidos à miséria, à marginalização a que estão sujeitas as pessoas que não possuem recursos materiais ou à falta de cultura. Hoje, o que se percebe é que entre a maioria dos autores de tais disparates, encontram-se pessoas de classe média e alta, adolescentes que muitas vezes tiveram oportunidade de freqüentar bancos escolares, possuem conta bancária, cartão de crédito, carro do ano, mas desconhecem o calor e o aconchego de um lar onde reinem o amor e o carinho entre as pessoas que ali residem.

    Estudam-se muito as razões deste estado de coisas. Há um consenso entre os especialistas de diversas áreas em apontar como responsável uma crise que avassala a instituição familiar.

    Jovens desorientados, sem responsabilidade e sem diálogo com os pais, sem noção clara do certo e do errado, sem o calor familiar diário, são candidatos fáceis à espiral da violência urbana. A sociedade reconhece a situação, os especialistas estudam o tema, a imprensa divulga as estatísticas e a vida continua, com a anuência tácita ou expressa dos principais interessados: os pais, que um dia se uniram pelo casamento com a intenção de educar os filhos.

Solução para a infelicidade

    São jovens desajustados que procuram a felicidade no lugar errado, tornando sombria e perigosa a vida aos outros. A solução para deter esta avalanche de infelicidade não se encontra em nenhum manual, mas na própria família.

    Em nossos dias, depois de um longo período em que as mulheres foram tratadas como seres inferiores ao homem, houve uma conquista de espaço profissional das mulheres fora do trabalho realizado dentro da casa. Não é tarefa fácil encontrar o ponto de equilíbrio e de harmonia entre a vida profissional e a vida familiar, entre o peso e a responsabilidade compartilhados pelo casal para educar os filhos e rodeá-los de carinho, e a necessidade de responder com competência às exigências do mercado e do trabalho profissional. Não é fácil, mas é possível encontrar esse ponto. É nesta harmonia, neste equilíbrio que se encontra a felicidade.

Todos ao mesmo tempo

    Numa família, todos querem ser felizes juntos e ao mesmo tempo. A felicidade de um pai e de uma mãe de família está intimamente ligada à felicidade de seus filhos. E condição indispensável da felicidade do filho o sentir-se querido, o saber-se amado e escutado. Não há sucesso profissional que justifique a insegurança e a solidão de um ser em crescimento. Não há felicidades parciais, solitárias, egoístas. Na família, todos se alegram pelo sucesso de cada um e todos apoiam a tristeza de um de seus membros. É na unidade e na fidelidade à própria família que se encontra a verdadeira felicidade.

    É na família, no espelho de vida dos pais, que os filhos aprenderão os valores e os comportamentos necessários para a vida em sociedade: a confiança, a generosidade, a consciência de que os anseios são infinitos mas os bens finitos, a necessidade de prescindir das coisas em benefício dos outros. É ali que se aprende, antes do que em qualquer outro lugar, a respeitar e valorizar as diferenças de temperamento, de gostos, de desejos, de necessidades. É nesse pequeno núcleo, que por definição é a união de homem e mulher para comunhão de vida, que se aprende a ter consciência de que a felicidade não é fruto do acaso, nem mera técnica de digitação, mas decorrência de simples atos do cotidiano, carregados de carinho, respeito e generosidade para com os outros.

    O reconhecimento da importância da família, núcleo de proteção do homem, seu efetivo enquadramento pelas autoridades, através de uma legislação que a livre de dissoluções; a consciência de que pais, mães e filhos são uns para os outros, farão nossa sociedade mais justa, livre e democrática, pois ela será o que for a família de cada um.

    Os tempos que correm são tempos difíceis, pois não é fácil conseguir uma família unida e feliz. Mas também são tempos estimulantes porque cabe a cada um construir as bases para a felicidade da própria família. 

* * * 

(*) Advogada em São Paulo e Presidente do Instituto de Estudos Mulher, Criança e Sociedade. 

- Matéria transcrita do site PORTAL DA FAMÍLIA http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo150.shtml


28 dezembro 2014

Esperanças renovadas

ANO NOVO 


Que eu não esqueça, jamais, de agradecer 
ao meu Deus pelos dons com os quais 
fui gratuitamente dotado e de suplicar-Lhe 
perdão pela forma negligente com que 
me utilizo deles em favor 
do meu próximo. 

    O Natal de Jesus ainda está sendo comemorado e já entramos na contagem regressiva para o novo Presente que, em dois ou três dias, nos será confiado. Esperamos muito por esse Presente: um novo ano que possa restaurar nossas esperanças e nos proporcionar mais algum tempo para que consigamos consertar os erros e estragos que fomos colecionando no caminho que chega ao fim. 

    Logo ele vai chegar e se entregará, solene, aos nossos cuidados. Com mãos trêmulas e olhos embaçados vamos desembrulhá-lo da embalagem colorida em que veio delicadamente acondicionado. Certamente virá cintilante, barulhento, anunciado por fogos de artifício, sob aplausos e invocações de boa sorte. Aportará aqui repleto de presságios animadores, depois das apreensões e expectativas que marcaram a sucessão de dias que está para se esgotar. Surgirá de um momento para outro – não inesperadamente, mas num átimo que torne o instante da transição imediato e indolor. Falta muito pouco para que surja diante de nós ainda boquiabertos, - apesar de termos tido a certeza de que viria - sem sabermos ao certo o que fazer com ele, tão novinho, recém saído do almoxarifado de Cronos.

    Durante milhões de milênios esteve aguardando sua hora. Finalmente, dela se aproxima a cada segundo. O Ano Novo, com sua fisionomia simpática mas não definida de todo, olhar-nos-á espantado como quem encara surpreso uma paisagem inusitada onde aborígenes sibilantes estarão promovendo estranhos rituais. 

    O momento será de festa. De sorrisos. De brindes borbulhantes. Dançaremos e cantaremos. Alguns, muito provavelmente, nos recolheremos, por breves instantes, em silêncio e elevaremos preces fervorosas às divindades de nossas crenças, rogando bonanças. Outros extravasaremos a emoção até então armazenada, e num pranto contido, compartilharemos amplexos com os seres amados. 

    Em nossas mentes desfilarão as imagens que já passaram a pertencer, irreversivelmente, ao pretérito e nunca mais poderão ser resgatadas a não ser em devaneios e sonhos. 

    Promessas serão refeitas e novos planos traçados, na certeza de que desta vez todos os bons propósitos serão cumpridos; com a convicção de que a miríada dos sonhos acalentados, dissipados pelo caminho não mais acessível, se transformará, enfim, na mais jubilosa realidade. 

    Será tempo de rever conceitos. De avaliar o que valeu e o que não valeu a pena. De repensar os atos cometidos e redirecionar comportamentos. 

    Quanto às pessoas que me cercam não me cabe julgar nem interferir em suas novas metas. De mim, entretanto, posso assumir que vou me esforçar muito para reconstruir os caminhos dilapidados pela incúria, pois muitas foram as minhas impertinências que o ano velho levará consigo, relegando-as ao arquivo morto da eternidade onde permanecerão per secula seculorum como testemunhas silenciosas de minha passagem por este Orbe.  

    Desde já, proponho-me, sinceramente, que em 2015 tratarei com mais cortesia a telefonista que do outro lado da linha apenas cumpre com o seu dever e o garçom que demorou dois minutos a mais para servir o meu prato supérfluo. Que não promoverei mais nenhuma rinha pela vaga no estacionamento sob a alegação de que cheguei primeiro. Que saberei tolerar com bom humor os dias de frio e de chuva e não mais direi palavrões nem xingarei a humanidade quando a constante falta luz deixar de novo o meu computador inoperante e eu tiver que restaurar todo o seu sistema depois de perder arquivos importantes e fotos que jamais, em tempo algum, poderão ser refeitas. Ah!... e que procurarei fotografar mais pessoas do que flores e borboletas, mais gente do que paisagens e muros cobertos de musgo e de heras. 

    Renovarei a promessa de todos os anos que já se foram, de não mais dormir sem pedir perdão pelas mil faltas que cometi durante o dia. Que pela manhã, ao acordar, trarei na face o meu melhor sorriso de gratidão pela noite de sonhos e pela oportunidade nova que a vida me oferece para ser feliz e compartilhar esta felicidade com aqueles a quem amo muito e com aqueles a quem amo pouco - e principalmente com os que nem aprendi, ainda, a amar. 

    E se no final de mais esse ano tiverem restado outra vez, nas trilhas por onde andei, apenas montanhas de frangalhos e fragmentos rotos testemunhando a passagem de mais uma etapa que eu causei frustrada, que os deuses tenham de mim a compaixão necessária e não me neguem a condescendência de que estarei carente. Pois, apesar de mim e de tudo, um dia haverá novos tempos quando as faltas cometidas e os erros perpetrados serão remidos em definitivo, pois a Grande Lei assim decidiu que fosse.  


* * *

    A todos nós que conseguimos chegar até aqui com a consciência do dever cumprido, os votos de um feliz e próspero Ano Novo. E aos que ainda não alcançaram o sucesso almejado, que jamais falte a coragem, a palavra de fé, o incentivo fraterno e a esperança renovada de que a Vida renasce todos os dias e as oportunidades se multiplicam na mesma proporção em que os desafios se apresentam.

    Para todos, enfim, que fique a Paz, a Harmonia e o Amor, este sim, indispensável e insubstituível.

Evandro Inácio / Ano Novo de 2015 

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Crédito
Foto minha - Gramado, RS, feita no dia 20 Dez 2014 

09 novembro 2014

Jubileu de estanho / 2004-2014




11° ENCONTRO E ALMOÇO DE CONFRATERNIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS GONÇALVES, SANTOS, LIMA, MACHADO E DESCENDENTES 

Alguém, entre nós, já se deu conta de que no próximo domingo, dia 16 de novembro de 2014, durante o nosso ENCONTRO DA FAMÍLIA estaremos comemorando  10 anos de sua instituição?  É verdade! Trata-se do seu primeiro decênio. É o grande “Jubileu de Estanho”, efeméride que evoca um metal nobre e antigo, dos mais puros. Ele é utilizado desde tempos imemoriais para confeccionar espadas de reis e príncipes, de cavaleiros e membros da mais alta nobreza. Em função de menor destaque, também tem se transformado, no decorrer do tempo, em taças para vinhos, castiçais, moedas, medalhas, placas, troféus e uma infinidade de outras coisas que almejamos se tornem perenes.

       O estanho representa a Força e a Longevidade, e suas principais características são a resistência e a flexibilidade. Além disso, por ser altamente maleável, possui ponto de fusão bastante baixo e por isso é muito utilizado para soldas, sendo resistente à corrosão.

       Como descrito acima, este belo metal não lhes parece o nosso retrato? A “nossa cara”? O que acham? Reflitamos: o tempo e a convivência nos tornam maleáveis. Mesmo com um ponto de fusão baixo, “fervemos” em algumas discussões, porém podemos nos sacrificar para proteger nossos valores (nossos metais mais nobres) que resistem e perduram por toda a vida, como a união, a honra, a coesão, a dignidade, o amor à Família, a lealdade, a sinceridade, e tudo mais que prezamos e queremos transmitir à nossa posteridade.

       Pois é. E nem tínhamos pensado nisto, não é mesmo?

       Dez anos se passaram desde aquele dia memorável – 19 DE DEZEMBRO DE 2004! – quando demos o primeiro passo para a reintegração de nossas famílias que estavam, até então, bastantes dispersas como bem podemos lembrar. De lá para cá crescemos não apenas em número mas também em experiências e vivências pessoais que nos conduziram a percepções de realidades que talvez, antes, pouco significassem mas que, hoje, adquirem dimensão inusitada. E enquanto isto, nossa família continuou a expandir-se, formando novos lares e ultrapassando  fronteiras. Recebemos parentes novos que vieram acrescentar outros nomes aos  Gonçalves, Santos, Lima, Machado e descendentes  com os quais começamos. Foram chegando de mansinho, insinuando-se, agregando-se, casando com os nossos, somando-se ... e novos membros foram nascendo entre nós!

       Nestes dez anos, em decorrência das inúmeras uniões que foram nos enriquecendo, nós, os mais velhos, ganhamos muitos genros e noras, netos e bisnetos, enquanto que os menos velhos , além dos cônjuges com os quais assumiram o compromisso de darem continuidade à descendência da qual fazemos parte, foram contemplados com cunhados e cunhadas – tornados novos irmãos! – e uma porção de sobrinhos. 

       Se o decênio que estamos às vésperas de comemorar frustrou-nos pela sentida perda de vinte e dois membros da Família – alguns partindo prematuramente, – doou-nos, também, a alegria dos nascimentos que foram duas vezes mais numerosos do que o dos passamentos que precisamos lamentar. Esta é a lei da vida – A Grande Lei plena de bondade, beleza e sabedoria!   

       Num levantamento feito a partir de nossas árvores genealógicas pudemos contabilizar, no período de 2004/2014, o nascimento de 40 novos herdeiros, hoje com idades de 10 anos para menos.  São pimpolhos maravilhosos, novinhos em folha, que vieram ornamentar e oxigenar as nossas vidas e propiciar-nos a fazer deles os HOMENAGEADOS ESPECIAIS do 11° ENCONTRO. Muitos deles, com certeza, gênios em potencial, amanhã estarão nos substituindo. Colocarão em prática as lições que aprenderem de nós – e eis aí a nossa imensa responsabilidade! – mas, seguramente, saberão fazer melhor: administrar com prudência e retidão o novo mundo que lhes caberá comandar – um mundo mais belo, mais humano, mais solidário, mais feliz.

       Esse será um dia para comemorar. Para render Graças. Para celebrar a memória dos que já não estão conosco, render gratidão ao presente e louvar o futuro. Para vibrar de alegria por estarmos juntos mais uma vez no ENCONTRO que se tornou o símbolo mais autêntico de nossas famílias. E um dia, principalmente, de dar as boas vindas a esta plêiade de pequeninas estrelas que o Amor do Pai nos confiou no decorrer deste decênio e às quais, com imenso carinho e a aquiescência de vocês, este 11° Encontro da Família é dedicado.

       Por isto, brindemos, desde já, mais uma vez. Outras vezes. Muitas vezes. A eles e a nós. Brindemos e extravasemos o nosso júbilo. Nós merecemos!

       Até domingo que vem!

Vando